Ofício da Lã

Lãs & Teares de Loriga

Ladeada por ribeiras, Loriga cresceu a ver nos montes em volta, rebanhos que em breve alimentaram as fábricas que do nada surgiram.

Vendedores enriquecidos e “brasileiros” regressados ergueram, com a família ou sozinhos, as fábricas de Loriga.

A população, que crescia mais rápido do que a mortandade grande a levava, encheu as fábricas. A mão-de-obra tão precisa ainda chegou de fora: da Lapa dos Dinheiros, da Cabeça, de Unhais, de Casegas, de Valezim e de outras tantas terras chegadas ou distantes

Loriga cresceu entre elogios e invejas pela qualidade dos seus lanifícios, da arte a da sua gente que num vale fundo da serra ergueu uma indústria que olhava de igual Unhais e a Covilhã. Depressa se definiram tarefas e profissões à volta da lã. E os homens fizeram do fio da trama nas canelas, cobertores, mantas e fazenda que levava o que melhor havia deles.

Palavras bem definidas como canelagem, bobinagem, cardação, penteação, lançadeira, cala, mecha, pisoamente, perchagem, cerzir, trama, urdir, debuxo, fiação, râmbulas, ultimação, depressa apareceram no falar dos miúdos, que bem pequenos começavam a trabalhar nas fábricas. Acabar “Mestre” era reconhecimento de uma vida de trabalho apurado, de arte, de respeito pelos seus semelhantes, de honestidade e honra, de ser um “Primeiro Entre Iguais”.

Das palavras às alcunhas foi um pequeno passo e depressa começámos a ouvir “Cardeiras” ou “Pisoeiros”.

Misturaram-se as palavras na alma das famílias como o suor lhes envelheceu a pele e lhes levou os mais queridos, que nunca conheceram outra vida que não fosse de sacrifício. Um sacrifício que na primeira metade do século XX, viria negro e silencioso no meio dos fardos da lã e ceifaria a vida de muitos. Ao tifo, à agonia e às lágrimas juntaram-se homens como Amorim, Faria e Simões Pereira que na capela da Senhora do Carmo, tentaram com a perda da sua própria vida salvar os outros.

O povo unia-se, assim, na agonia e desunia-se em questões como a das farmácias ou a dos médicos. Os patrões zangavam-se e surgiam partidos que se voltavam a unir quando o trabalho exigia a força de todos, como aconteceu durante as duas guerras mundiais.

Não se conheceram grandes fortunas, pois a tecnologia exigia constantemente e a concorrência era enorme. Os únicos luxos dos patrões eram a ida às termas e a praia da Figueira da Foz. Muitas eram as vezes que sentiam a corda na garganta e vendiam o pouco de valor que tinham em casa para pagar os ordenados e as férias.A palavra dada valia ouro, apesar de os ordenados nunca passarem de somenos.

Com o tempo, as modas mudaram, a concorrência cresceu, a matéria escasseou e os homens e as mulheres deixaram de querer para os filhos, a vida que tinham visto nos pais e neles. Queriam honestamente uma vida melhor. Foram, assim, partindo para fora. Escolheram a emigração ou terras como Seia, Vodra, a Covilhã, Tomar, Alenquer e finalmente Sacavém, Lisboa ou Porto.

Deixaram-se de ouvir as sirenes das fábricas, o bater dos teares, a corrida das mulheres e dos homens na hora da saída, as crianças a levarem o jantar aos mais amados.

Almas simples feitas fortes por uma união e uma coragem de aço nascida na pressão da vida e nas agonias da história.

JC

   
Fábricas de Lanifícios Loriga

Loriga teve várias fábricas e, nelas, várias sociedades que uniram homens de todas origens, mas com uma mesma característica – a coragem de arriscarem.

Sabiam que, do lado deles, tinham a vontade e confiaram nos seus conterrâneos e na sua capacidade e destreza para o fazerem.

As fábricas, apesar do silêncio ensurdecedor da ausência dos teares, continuam lá. Imaginamos o custo e o sacrifício de todos os que as ergueram, conservaram e por elas deram parte significativa do seu tempo de vida.

Nomes como Fonte dos Amores, Fândega, Regato, Redondinha, Fábrica Nova, Lamas, Tapadas, Pomar ou Nunes & Brito, mexem com qualquer loriguense. Sabem o quanto dos seus pais e avós está naqueles edifícios. Do tempo que ali gastaram por um sonho, de ver a sua terra e a sua família melhor, mesmo com o sacrifício desta.

Dizem que onde hoje está a Associação de Apoio à Terceira Idade, junto ao Terreiro do Fundo, existiram teares e escarameadeiras, que esfarripavam a lã e a limpavam da impureza. Vários teares existiram em casas particulares, mas só depois da chegada a Portugal do tear mecânico, invenção do Dr. Jacquard, é que a indústria dos lanifícios tomou um grande impulso.

As primeiras fábricas surgiram em Loriga, pela mão de comerciantes de lã e as últimas, por emigrantes regressados do Brasil.

A Manuel Mendes Freire e a José Marques Guimarães são atribuídos as primeiras fábricas: a fábrica da Fonte dos Amores e a fábrica da Fândega. A primeira surgiu em 1856 e a segunda em 1862.

Seguiu-se a fábrica do Regato, em 1869, pela firma Plácido Luís de Brito, comprada em 1897, por Teresa Gomes Luiz, onde passou a funcionar a firma Duarte Pina & Sucessores, uma sociedade dividida em três partes, pelo casal Teresa e José de Luiz Duarte Pina e os seus dois filhos mais velhos José e Maria Emília.

Em 1938, a referida sociedade foi cedida à Pina, Nunes & C.ª, depois de ter sido construída a denominada ‘fábrica de cima’, mais moderna e para onde se transferiu a laboração da fábrica do Regato. A sociedade duraria até 1950, mas a fábrica, com momentos altos e baixos, produziu lanifícios até 1962. Em 2000, fui erguida uma nova fábrica no local da fábrica de cima, pela sociedade Pinto-Lucas, na qual existe actualmente uma confecção de malhas.

A fábrica da Redondinha, nasceu num souto de castanheiros existente numa quinta com solar da família Mendes, pela iniciativa de Augusto Luiz Mendes. Dizem que ‘Redondinha’ se deve ao facto da castanha daquele local ser bem redonda. A fábrica inicial surgiu colada às cavalariças e depois, em 1939, acrescentou novos edifícios, tendo sido parte devorada por um incêndio de 1950. No largo, entre o solar e a fábrica, ainda existiu um prédio anexo, onde inicialmente viveu o guarda-livros da fábrica e depois o debuxador. O anexo foi eliminado em 1909. A Redondinha, como empresa de lanifícios fechou em 1973. Depois, os seus edifícios foram ocupados por empresas de malhas, nomeadamente a de Manuel Carvalho e a Jomabril.

A fábrica Nova surgiu em 1905, por Augusto César Mendes Lages e José Gouveia Júnior. Em 1920 passou para a sociedade Moura Cabral & C.ª. Teve várias ampliações, nomeadamente em 1939 e em 1956.

A fábrica das Lamas, surgiu pelas mãos de José Gomes Luiz Lages, em 1932 e ex-sócio da sociedade Duarte Pina & Sucessores. Por volta dos anos 50 do século XX, passa a denominação de Lages & C.ª para Lages, Santos /& C.ª, tendo deixado de funcionar como fábrica de lanifícios em 1973. O edifício foi vendido em 1980 à Metalúrgica Vaz Leal S.A.R.L., Limitada.

A fábrica da Tapadas, surgiu em 1872, pela mão de vários sócios, salientando-se a família Pina Mello. Nos anos 60, a fábrica pertencia ao comerciante de lãs Valério Cardoso, conhecido empreendedor de Alvoco da Serra que casou em Loriga e que por esta localidade tinha bastante amor. Foi também nos anos 60, do século XX, que a fábrica deixou de trabalhar. Hoje em dia, o edifício é uma habitação familiar.

A fábrica dos Leitões, foi criada pela firma Leitão & Irmãos, C.ª, em 1899, tendo sido gerida por várias sociedades de entre os vários herdeiros e sucessores da referida firma. Em 1967, deixa de fazer lanifícios e passa a produzir lãs. Tendo terminado essa actividade nos finais do século XX.

A fábrica do Pomar, constituída em 1929 pela firma Nunes & Brito, bem no centro de Loriga, funcionou com essa denominação até 1972, aquando da sua aquisição pela firma Moura Cabral & Companhia.

JC
 

 
A Lenda do Tear

Estava Satanás às voltas e revoltas sobre como ocupar o tempo. Pôs-se então a inventar. Pegou assim em várias peças que, juntas, formaram uma máquina esquisita que baptizou de “tear”. Depois, Belzebu teceu o primeiro pano mas, todas as vezes que tentava passar a “lançadeira” por entre a “urdidura”, a “canela” saltava-lhe fora. Impaciente e com o mau feitio que todos lhe advinham, mas só os piores lhe conhecem, perante o fraco sucesso da invenção, o mafarrico pô-la de parte e nunca mais pensou nela.

Um dia S. José, que era carpinteiro, foi chamado a uma casa para exercer a sua arte e deparou-se com uma armação estranha, que nunca antes tinha visto. Curioso, perguntou para que servia. Responderam-lhe qual a sua finalidade, mas que era impossível executá-la pelos determinados motivos. S. José, Patrono dos carpinteiros, pôs-se então a cismar. Desmontou todas as peças da maquineta. Estudou-as ao pormenor e, passado algum tempo, encontrou a solução para o problema: a “broca” – uma pequena peça que, introduzida nos dois extremos da cavidade da “lançadeira”-, impedia a saída da “canela”.

Assim sendo, ofereceu S. José o tear a Nossa Senhora que, a partir de então, passou a utilizá-lo para tecer todos os panos que haviam de vestir o menino Jesus.
 
História contada às crianças em Loriga

JC